A injustiça tributária no Brasil tem sido um fator preponderante na perpetuação da desigualdade social
Por Francelino Valença para o Correio Braziliense
A injustiça tributária no Brasil tem sido um fator preponderante na perpetuação da desigualdade social. Mesmo figurando como a nona maior economia mundial, o país ainda se encontra entre os 20 mais desiguais em relação à renda, o que causa a pobreza e a desigualdade social. Essa realidade deveria ser um catalisador para mudanças no sistema tributário nacional, injusto por acentuar a concentração da renda e riqueza e aumentar os recursos destinados a áreas cruciais, como as de educação, saúde, infraestrutura e saneamento.
Em estudo apresentado na reunião no Grupo dos Vinte (G20), em fevereiro, a Oxfam Brasil destacou a discrepância na tributação entre os mais ricos e os demais cidadãos do mundo, apontando que um imposto de 5% sobre as fortunas dos bilionários poderia contribuir significativamente para reduzir as desigualdades sociais e enfrentar a crise climática. No encontro, o governo brasileiro cumpriu papel relevante ao propor uma cooperação internacional para a tributação global de bilionários, bem como medidas concretas contra a evasão fiscal.
No país, a disparidade tributária é evidente em um cenário em que os contribuintes milionários pagam alíquotas efetivas de imposto de renda ínfimas, significativamente menores do que os de renda mais baixa. Embora o Executivo tenha começado a taxar os super-ricos, via tributação de fundos exclusivos, e empresas offshores — impostos esses que impulsionaram um recorde de tributação em janeiro —, ainda há um longo caminho a percorrer para alcançar a equidade social, pois, apesar de imprescindíveis, esses mecanismos, sozinhos, não corrigem a natureza regressiva do sistema tributário brasileiro.
O governo federal teve o mérito de pautar e articular o debate sobre as alterações do sistema, em 2023, no Congresso Nacional. No entanto, ao priorizar a apresentação da reforma pelo consumo, adiando as mudanças sobre a renda e o patrimônio, abriu espaço para avanços limitados em relação à justiça tributária no país, que segue na lista das nações que tributam mais sobre o consumo do que sobre a riqueza.
Embora seja muito bem-vinda por sua capacidade de unificar os impostos, reduzir a burocracia e acabar com a guerra fiscal entre os estados brasileiros, entre outros pontos, a reforma sobre o consumo apresenta avanços limitados. Apesar de seu potencial para estimular a economia, mantém uma das maiores cargas de impostos do mundo e segue penalizando os cidadãos com menor renda na compra de bens e serviços — apesar dos mecanismos como o cashback. Infelizmente, o texto aprovado mantém privilégios, como evidenciado pelas brechas que permitem isenções fiscais na tributação sobre heranças destinadas a fundações, além da isenção de veículos, como jatinhos ou lanchas, classificados como de uso artesanal ou de subsistência.
Ainda assim, a reforma traz melhoras para o sistema tributário e gera expectativas e questionamentos sobre seu alcance e impacto efetivo na sociedade brasileira. Em meio a eleições municipais e disputas pela eleição das presidências do Congresso Nacional em 2025, há quem diga que não será possível regulamentar o novo modelo ainda neste ano. Caso o cronograma se cumpra, os mecanismos começam a vigorar, de forma gradual, começando a ser executado apenas em 2027, com nova CBS e a extinção de PIS e Cofins. O tempo da transição completa é de 50 anos, quanto à repartição entre os entes federativos, oito anos para o seu funcionamento. O sistema trará ganhos graduais aos estados e municípios, que perceberão plenamente após um período significativo. Destaca-se que a falta de uma tradição de continuidade e defesa de programas estatais representa um desafio adicional para a efetivação das mudanças propostas.
Preocupa o adiamento da entrega da proposta de alterações de tributação sobre a renda. A mudança é essencial para que o sistema tributário seja justo, para que os mais ricos contribuam mais, e os de menor renda, menos. É crucial encerrar os privilégios concedidos aos mais afluentes, como a isenção de impostos sobre lucros e dividendos, a desoneração da folha de pagamento e dos benefícios fiscais para alguns setores.
Os sistemas tributários têm o papel de reduzir a concentração de renda, e isso não significa acabar com a riqueza, mas distribuir os recursos de forma equitativa, para o desenvolvimento de nações mais justas e sustentáveis.
Num cenário onde apenas 1% da população detém um quarto da renda nacional e mais de 30 milhões enfrentam a fome, a necessidade de mudanças tributárias torna-se fundamental e urgente. A má distribuição de renda e o acesso deficitário à educação contribuem para agravar essa situação, exacerbando as desigualdades. A redução dessas disparidades tributárias não apenas promove a justiça social, mas também fortalece os fundamentos democráticos do país.
*Francelino Valença - Presidente da Fenafisco