A experiência na Índia

No final do ano de 2023, a tão aguardada reforma tributária foi sancionada. Após longas discussões e alterações na Proposta à Emenda Constitucional nº 45/2019, os contribuintes finalmente tiveram conhecimento das alterações realizadas no texto Constitucional, por meio da Emenda Constitucional nº 132.

A reforma trouxe a simplificação do sistema tributário nacional, expressando os princípios da simplicidade, da transparência e da justiça tributária (art. 145, §3º) e sinalizando o fim do caótico sistema tributário atual. Em vez de 5 (cinco) tributos incidentes sobre bens e serviços (ISS, ICMS, IPI, PIS e COFINS), a emenda estabelece sua substituição por dois tributos (IBS e CBS) e o imposto seletivo, incidente sobre bens e serviços prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente.

Em que pese a euforia inicial, há importantes ressalvas e que decorrem especialmente do fato de que as novas disposições constitucionais, por si só, não alteram o cenário atual, pois a implementação e regulamentação da nova tributação dependem do legislador infraconstitucional via lei complementar.

Nas disposições transitórias, o constituinte delimitou o prazo de cento e oitenta dias, contados da publicação da Emenda Constitucional nº 132/2023, para a edição de lei complementar (art. 18, II, da EC 135/2023), cujo prazo findará em junho de 2024. O mentor e secretário especial da reforma tributária Bernard Appy já teve a oportunidade de alertar que os projetos de leis complementares – que serão 2 ou, no máximo, 3 – deverão ser concluídos em prazo inferior ao definido pela Portaria nº 34, de 20241, em razão das eleições municipais.

A lei complementar – com 71 menções na EC – trará contornos mais nítidos tanto das características do IBS/CBS; quanto da função do Comitê Gestor, permitindo aos contribuintes uma melhor compreensão e dimensão dos impactos em termos financeiros e de compliance fiscal. Somente a partir da fixação das regras será possível entender como se dará o período de transição, que se iniciará em 2026 e se encerrará em 2032.

A título de demonstração da importância da lei complementar para a melhor avaliação das consequências da reforma tributária, é válido traçar um paralelo com a reforma tributária realizada pela Índia em 2017. País de dimensão continental e adotante do sistema federativo, também possuía um sistema tributário complexo e cumulativo.

Com a instituição do Goods and Services Tax (GST), tributo dual composto pelo Central Goods ande Services Tax (CGST), de competência da União Federal indiana, e a State Goods and Services Tax (SGST), de competência Estadual, um imposto sobre valor das operações envolvendo bens e serviços, a Índia simplificou a diversificada tributação anteriormente existente. Os CGST e SGTS são espécies do GST e incidem de maneira simultânea a medida em que ocorrem os fatos geradores dentro da cadeia de produção, sendo que os valores arrecadados com o CGST são destinados ao governo federal e com o SGTS aos governos estaduais2.

Assim como a atual reforma brasileira, a reforma indiana, além de reduzir a quantidade de tributos incidentes sobre bens e serviços também alterou a tributação para o local de destino das vendas de bens e serviços. No entanto, a inexistência de um período de transição fez com que a reforma indiana enfrentasse severas críticas tanto na aplicação prática do GST quanto no cumprimento das obrigações acessórias.

Apesar da criação do GST Council (Conselho do GST), com a função de definir a exigência do GST, as alíquotas, formas de cobrança, créditos e a distribuição de receitas entre a União e os Estados, uma das grandes problemáticas foi a dificuldade na identificação do local de fornecimento para o recolhimento do GST quando havia multiplicidade de locais. De acordo com o relatório do World Bank3, inúmeras foram as queixas quanto à fraca disponibilidade do sistema do GST, atrasos nos reembolsos do GTS pago e questões relativas ao reporte de crédito dos impostos do antigo sistema tributário, ocasionando aumento das horas gastas para o cumprimento de obrigações acessórias.

Inevitavelmente, houve significativos impactos no aumento da carga tributária para determinados setores da economia indiana, tais quais o setor de telecomunicações, de tecnologia da informação e indústria automobilística4. Por outro lado, ao longo dos anos, foi identificada a redução de alguns dos problemas acima mencionados atribuída a eficácia da autuação do Conselho do GST para a redução dessas problemáticas. Além disso, a Índia apresentou melhoras no ranking do Banco Mundial, subindo posições entre os países mais fáceis de se fazer um negócio. Antes da reforma, em 2017, ocupava a 130ª posição, estando, atualmente na 63ª5.

No caso brasileiro, enfrentaremos um período de transição de oito anos e o desafio de normas infraconstitucionais capazes de cumprirem com os ideais da proposta, somado à preocupação de auxiliar os contribuintes na jornada do compliance fiscal de dois sistemas tributários coexistentes.

A reforma indiana mostrou que, embora a ideia da simplificação tributária seja benéfica tanto para os contribuintes como para a economia do país e seu posicionamento frente aos órgãos internacionais, sem uma planejada implementação, pode se tornar caótica. No Brasil, o risco de má implementação também poderá acarretar maior tempo de compliance tributário, além da manutenção ou aumento da litigiosidade, impactando o o chamado “Custo Brasil”.

A aprovação da Emenda Constitucional nº 132/2023 marca o ponto de partida da reforma tributária brasileira. Os próximos desafios estarão centrados na criação da Lei Complementar e na adaptação às novas regras ao longo do tempo. Se olharmos as experiências internacionais, tal qual o ocorrido na Índia, teremos maiores chances de não cometermos os mesmos erros, tendo a oportunidade de construir uma estrutura tributária mais eficiente e alinhada com os princípios de simplicidade, transparência e justiça tributária. Em caso negativo, os benefícios da reforma tributária não aparecerão de forma imediata, trazendo, ao revés, maiores custos aos contribuintes e aumento da judicialização.

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1 A Portaria instituiu o Programa de Assessoramento Técnico à Implementação da Reforma da Tributação sobre o Consumo (PAT-RTC), com a definição dos grupos de trabalho e previsão de 60 (sessenta) dias de prazo para sua conclusão.

2 MEDEIROS, Guilherme. A Reforma Tributária Indiana de 2017 e o seu Papel no Desenvolvimento Socioeconômico do País. Lições para a Reforma da Tributação do Consumo no Brasil. Revista Direito Tributário Internacional Atual nº 11. ano 6. p. 13-33. São Paulo: IBDT, 2º semestre 2022.

3 World Bank. The Challenges of the Goods and Service Tax (GST) implementation in India. Disponível em: https://documents1.worldbank.org/curated/en/846611542608567754/pdf/The-Challenges-of-the-Goods-and-Service-Tax-GST-implementation-in-India.pdf. Acessado em 28/01/2024.

4 GOUVEIA. Carlos Marcelo. A Reforma da Tributação sobre o Consumo na Índia. Revista de Finanças Públicas, Tributação e Desenvolvimento, v. 7, n. 9, julho/dezembro, 2019.

5 DOING BUSINESS. Disponível em https://archive.doingbusiness.org/en/data/exploreeconomies/india. Acessado em 28/01/2024.

 

Fonte: JOTA